29 dezembro 2006

un precioso momento

olho-te.
estás sentada envolvida pelo silêncio.
estás triste e com o olhar perdido.
estás bonita.
mais bonita que nunca.
neste precioso momento tenho uma enorme vontade de te beijar...
não o faço.
magoo-me para não me magoar...

[dezembro 2006]

21 dezembro 2006

no silêncio

Por momentos abandono-me e olho-me através do mundo que me rodeia e que há já muitos anos venho a rejeitar.
Olho-me e sou uma máscara. Contorno-me e apenas vejo o verso da máscara.
Agora sei, mais uma vez, que sou uma máscara.
Tu tocas-me. Volto a mim.
Olho-te com o olhar sério da máscara, olhar que ignoras. Esticas os braços até mim. Estremeço ao sentir a leveza dos teus dedos na minha máscara.
Lentamente, com a suavidade com apenas tu tens, tiras-me a máscara e olhas-me nos olhos. Não nos olhos sérios e frios da máscara, mas sim nos olhos envergonhados da pessoa que tu, como poucos, conheces.
Digo-te olá, no meu tom trapalhão de pessoa inadaptada.
Através do silêncio, trocamos sorrisos e um abraço.
De repente vários corpos se aproximam ao espaço por nós alugado naquele momento.
Com o silêncio, empurro-me para longe.

Imediatamente ponho a minha máscara.
O mundo decorre. E o meu também. Acompanha o vosso.
Olhas-me no silêncio e nele me afasto, rumo às minhas viagens solitárias.
No silêncio te sorrio e abraço; no silêncio me afasto.
Um até fica no ar. Por mais perto ou longe que estejamos, sabes sempre onde me encontrar, sem máscaras, apenas eu.
Até...

(à amizade)

[dezembro 2006]

02 dezembro 2006

dás?

dia cinza e lacrimoso.
descanso o corpo.
largo a condução da máquina,
a mente essa não descansa.

até aqui a rádio tocou,
a habitual lavagem cerebral das tardes.
e a música tocou.
aquela que desconhecia
até ao dia que me mostraste.
aquela impossível separar de ti,
ou da pessoa que foste naquele dia.

aquela impossível de separar do teu corpo.

e desta maneira dói,
porque agora nunca sei quem és.

quando precisas de mim és doce.
quando não precisas também o és,
mas não para mim, porque nesses dias parece que não existo...

por vezes preciso apenas de um ou sorriso e uma palavra...
dás-me isso? por favor...

[novembro 2006]

o inevitável

a inveitável tensão.
a inevitável atracção.
o inevitável desprezo.
a inevitável irritação.

o inevitável rir.
o inevitável sorrir.
o inevitável rasgar.
o inevitável magoar.
o inevitável gritar.
o inevitável chorar.

o inevitável tu,
o inevitável nós.

[novembro 2006]

24 outubro 2006

sorrisos suspensos

Deito-me na cama.
Gosto do toque. As pernas agora despidas tocam o frio dos lençois. Gosto dessa sensação.
Encolho-me. Viro-me de cabeça para cima e tento encontrar estrelas no meu tecto nu.
Sinto-me pequeno. Inútil.
Num caos sem rumo arrasto-me preguiçosamente. Sou um aniaml de hábitos, por muito que me minta e diga o contrário.
Os dias não são novidade. As noites também não. Fecho-me na minha concha e através de fotogramas e notas sonho com vidas, texturas e sabores que não possuo.
Continuo deitado. E inútil. Gostava de ter um brilho. Gostava de ver um amigo triste a sorrir depois de falar com ele. Sou trapalhão na forma e conteúdo das minhas palavras. Acho que não sou uma pessoa para falar. Nem sei se serei para escrever. Nem sei se serei uma Pessoa. Talvez seja só um mau corpo.
Gosto de sorrir. Gostava que o meu sorriso tivesse o poder do aconchego de um abraço amigo. Gostava que ele fosse quente. Gostava que ele fosse bonito e proporcionasse nos outros, nos amigos, aquele sorriso que temos quando somos crianças e que poucos mantêm na transição de idades, mentalidades e porque não estatutos.
(Há estatutos na nossa sociedade ocidental que parecem ter como pré-requisito a não existência de sorrisos. Porquê este pré-requisito? Porquê estes estatutos? Fará isto sentido para alguém?)
Gosto do silêncio. Desde criança que o conheço. Já tivemos grandes e ruidosas conversas. No silêncio claro está.
A calma que por vezes o silêncio me traz é o que eu sonho poder fazer com o sorriso, mas apenas posso sonhar.
Só há uma coisa que me chateia mais, que me irrita mais e que me deixa mais em baixo do que um dia que me corre pessimamente.
É ver alguém triste, especialmente os amigos ou aquelas pessoas a quem me ligo apenas por um detalhe minucioso, e não ter capacidade para os fazer sorrir. Para por momentos os fazer esquecer a tristeza e por na sua cara um sorriso, ainda que misturado com lágrimas. São bonitas as pessoas que sorriem, enquanto as lágrimas ainda percorrem a pele do rosto, efémeros momentos antes de limpar a cara e dar aquele novo primeiro passo.
Gostava de ter um brilho desses.
Fica um vazio em mim sempre que passo por uma circunstância dessas. Desejo do fundo daquilo que muitos chamam coração poder melhorar a situação. Não é o coração, mas é fundo.
É fundo e escuro. É o meu centro descentrado, um pseudo-lugar temível e terrível, o qual tenho medo de mostrar porque é um lugar nu. Sou apenas eu numa sala vazia. E nas paredes não há nada. Não há as mascaras que uso no mundo exterior no dia a dia. Não há os esconderijos que dispomos cá fora.
Ali sou só eu. Um amontoar de defeitos e pseudo-qualidades. A minha música, os meus filmes, as imagens que me fazem. Sou só eu. Todas as minhas facetas e personagens estão ali descriminadas. Em confronto. Todas as minhas paranóias, as minhas inseguranças... Aqui, neste lugar, ao contrário do mundo exterior a minha loucura não é controlada. Aqui há gritos mudos a todo o instante.
É um lugar escuro, fundo e feio. Mas é também o único sítio do meu corpo que pode ser bonito.
É lá que tudo nasce. O mau e o bom. E é lá que tudo morre. É lá que nasce a vontade de vos ver a sorrir quando não estão bem. A vontade de vos levar para o meio da praia deserta e ficarmos a ouvir o mar e o vento, pois as suas palavras e o seu silêncio são reconfortantes.
Gostava que esta vontade conseguisse ser traduzida. E não me importa como, por palavras, abraços, sorrisos, chocolates, passeios... qualquer coisa.
Podia ser traduzido em qualquer linguagem inventada ou por inventar... desde que vos visse a sorrir e não me tivesse de deitar com esse peso em mim. Como agora.
Não sei transmitir o que sinto. É um ponto prévio.
Gostava de o saber fazer e além disso fazer de maneira a que quando vocês se fossem deitar, tivessem um sorriso ainda maior que o meu.

Resta-me a cama, a música e a tristeza de não vos ter feito sorrir hoje.

outubro 2006

09 outubro 2006

gotas de vida - o comboio

gotas de vida
pessoas e momentos fictícios. pseudo-realidades que habitam uma mente.
episódios imaginários transcritos para o mundo material.

Empacotado na lata de sardinhas móvel a electricidade, sento-me confortavelmente.
A Ani DiFranco (en)canta-me.
A menina da voz rouca e a menina dos olhos verdes e profundos falam. Tenho que aumentar o volume para abafar as baboseiras que dizem.
No banco oposto em frente ao meu está uma menina de azul-turquesa (sim, sei o que é azul-turquesa) cujos olhos encantam. Não são verdes como os da menina na minha frente, são escuros mas têm vida. Causam em mim um magnetismo (que eu gosto). Em frente a ela, uma menina bonita, mesmo bonita. Figura esguia, vestida de tons escuros, com umas meias às riscas de tons laranja. Fascinou-me, ainda mais que os olhos grandes e magnéticos da menina de azul-turquesa. É bom encantarmo-nos assim, na ocasião, são encantamentos de circunstância. Mas muito deles não saem da cabeça. Gosto de ser assim. De me deixar encantar com a facilidade com que uma criança sorri.
Gosto de viver com a cabeça no ar, no mundo da lua, como muitos dizem. Gosto de encontrar todas aquelas personagens, com quem talvez nunca falarei, mas sei que troquei um sorriso ou um olhar. E às vezes mais não é preciso.
Perco noção do tempo enquanto divago por mim e em mim.
As meninas das baboseiras vão sair, chegou a estação delas. Agradeço, apesar daqueles olhos verdes e profundos (uma verdadeira tentação), pois agora as probabilidades de ouvir baboseiras diminuíram. (mas o caminho ainda nem a meio vai...)
A menina bonita também vai sair. Troco o último olhar e o primeiro correspondido.
É curioso como imaginamos vidas enquanto andamos de comboio. Apenas através de uam expressão.
A menina de azul-turquesa de olhar magnético parece triste, cansada. Alguém ou algo a terá magoado? (o alguém vem sempre primeiro, faz parte da nossa natureza magoar e ser magoados) Ou voltará a casa para o fim-de-semana prolongado que hoje começa? Possivelmente cansada após uma noite de excessos?

Quem sabe?... mas também, quem se interessa?

29 agosto 2006

tu. alguém...

estou aqui. só. dentro da tenda.
o que vem de fora embala-me. o som da chuva. o som da guitarra da tenda ao lado.
o rapaz pediu-me um cigarro, não lhe dei pois as minhas dependências são o álcool e a música. e se com o álcool consigo alcançar com sucesso algumas (poucas)
abstinências, já com a música é uma causa perdida. estou completamente afogado na depedência e luxúria das vibrações sentimentais.
sinto-me culpado. escuto a sua música. pior que isso sinto-a e ela faz-me sentir bem.

a tenda é enorme. é enorme neste cocktail (quase) perfeito: música e natureza.
mas falta algo, a cereja. faltas tu. alguém...

alguém para partilhar os decibeis dos palcos e o arrepio da chuva de uma forma mais próxima do que com a restante massa amante de música.
alguém para voltar à tenda e abraçar, beijar. alguém que me seque o corpo enquanto eu tiro a tua roupa encharcada. alguém para na secura da tenda sentir e tocar e dançar ao ritmo da chuva. alguém para depois de secos e quentes e íntimos, sair da tenda e gritarmos à chuva. dançar e gritar à chuva agradecendo a dávida da natureza e da música. dançar para nos festejarmos.

faltas tu. alguém. aqui...
alguém para abraçar e adormecer.
a tenda é enorme. e enorme será... pois não estás aqui.
tu. alguém...

[agosto 2006]

04 agosto 2006

gasto a terra sobre mim

quero voltar.
voltar ao casulo. Contrariar todas as regras da natureza e voltar a dormir protegido pelo calor do casulo de que outrora me libertei.
as asas fazem voar alto, mas apenas para cair ainda mais a pique.
sei quem sou.
sou um errante constante. sei que quando me decido a voar atrás de uma estrela o resultado é quase sempre o mesmo: a queda.
por isso, agora apenas ando.
ando. passo após passo, sem bater as asas ou levantar os pés do chão.
apenas ando... gasto a terra sob mim.

apenas ando. (até ao momento que te vejo...)

[julho 2006]

sinto a areia

Sinto a areia. Por baixo de mim, sinto-a nas mãos, nas pernas e na cabeça.
Sinto-a. Por cima de mim. Ela empurra-me contra areia.
A areia, intromete-se na troca de carícias.
Ali estamos, a praia é nossa por breves instantes, apenas nossa.
Toda aquela areia parece fazer parte de nós durante aqueles momentos. O mar canta para nós, para nos embalar. O ritmo das ondas acompanha o ritmo da dança dos dois corpos, um contra o outro, um para o outro…
Toco na areia enquanto me tocas… sinto-a, como te sinto a ti… sabe bem. Pequenos grãos de areia a escorregar pela mão enquanto deslizas por mim, sobre mim…
Ao longe o céu começa a clarear, a praia continua deserta, especialmente para nós.
Beijos impuros, carregados do teu sabor a tabaco e do meu sabor a álcool… impuros como nós…
Agarro-te… olho-te e começo a dançar sobre ti, viajo em ti… sinto-te e faço-me sentir…
O mar canta, marca o ritmo e nós dançamos, um com o outro, um no outro…
Na pressão interior e na contracção dos corpos suados e cansados solta-se o grito mudo de um abraço e um beijo…
Já é dia. A praia já não está deserta. Alguns dos seus habituais já se cruzam connosco na nossa caminhada para um regresso há muito celebrado e repetido.
Já é dia. A praia já não é nossa.


[agosto 2006]

28 julho 2006

universos

perdido por aí (como de costume), no deambular distraído encontro pérolas de sabedoria...
palavras que definem universos.


http://princesa-do-ceu.blogspot.com/2006/04/cometas-e-estrelas.html

palavras da menina lua [+ em http://princesa-do-ceu.blogspot.com/]


elefante equilibrado em sediela

o céu está limpo. vejo as estrelas. antes de sair de casa as nuvens tapavam completamente toda e qualquer uma.
todas olham agora para mim. compaixão, apoio ou apenas gozo e humilhação?
o metal corre nas veias secas. o poder do baixo faz tremer as pernas, o melódico som cortante da guitarra faz com que as vertebras se arrepiem e me provem que estou (ainda) vivo.
por baixo de mim a máquina ruge. acelero ainda mais. quero sentir o vento frio a entrar no carro.
a lua em quarto minguante não é nada mais que apenas um singelo corte de bisturi no manto da noite.
hoje não me oportunas, digo-lhe. as noites que conversámos, as vezes que me abandonaste, hoje nada interessam. hoje nada és, apenas um pequeno corte no céu.
estou-me nas tintas para a lua, ela hoje é insignificante. hoje sou maior, hoje sou nada.
com a música, o asfalto e o vento surge algo novo.
uma vontade de rebentar as entranhas. uma vontade de vomitar pelos olhos o grito que impeço que se solte.
as estrelas olham-me. a lua puxa para si uma nuvem para se esconder. a noite está amena. sinto o cheiro da natureza. vejo pirilampos na relva.
o grito ajuda na multiplicação de personagens dentro do mesmo corpo. uma das personagens dividiu-se em duas. uma que quer gritar e outra que finge que o grito não existe para poder viver no seu universo.
as estrelas, os pirilampos e eu.

as estrelas no céu, os pirilampos na relva. e eu... sem luz alguma, no limbo.
Tal e qual um elefante equilibrado em sediela...

[julho 2006]

a dança

a chuva... finalmente a chuva, num dia cinzento de verão...que dia fantástico... apetece sair, gritar, dançar...a chuva transforma as pessoas... e nem sempre as torna mais escuras, nem sempre as torna mais tristes... a chuva muda. o vento sul avisa sempre a mudança.
o que era o verão sem estes dias? a praia é muito mais praia durante e depois da tempestade... o cheiro da maresia e da areia molhada, o som das ondas enraivecidas, e de repente os pés descalços tocam a areia fria e húmida... não há palavras que consigam descrever este toque, apenas o arrepio que tenho ao pensar, é um toque como alguns sentimentos, tão difíceis de explicar mas tão bons de sentir...
ouve-se a praia no seu estado deserto,puro, com raras almas a deambular e a cheirar, a ouvir e a sentir a praia...
e no entanto somos loucos...somos loucos por não partilhar uma ideia padrão... mas seremos mesmo loucos? eles olham-nos como tal... seremos?...talvez... como diria a voz de uma geração i think i'm dumb, maybe i'm just happy (kurt cobain)

[julho 2005]

um pouco mais que palavras

apenas precisava de um pouco mais que apenas palavras...
como disse, como pedi... um rio tem duas margens, a compreensão também.
era tudo o que precisava, um toque, um ohar... um sentir, um ver...
em silêncio e com o olhar que nao vejo pedes-me o céu... todo ele... todas as suas estrelas...
já o tentei dar antes e sabes que o darei outra vez, mas peço-te o rio...
não todo. apenas um pouco do rio que nos vigiou...
era o que queria... algo mais que apenas palavras...

há prisões que não são feitas de grades e muros...
e há gestos que libertam...
[agosto 2005]

25 julho 2006

intensidade

suspensão
no tempo e no espaço.

respiração
escondida no momento.

negação
do prazer e da dor.

sorriso
deixado escapar.

verdade
doce e amarga.
[abril 2005]

perdido entre o silêncio

perdido entre o imenso verde
centenas de testemunhas de histórias passadas
seculares lágrimas que correm no rio de paixões

tantas certeza, tantas dúvidas....

um instante.
o corpo mudou...
um outro instante. a chuva chegou...
por entre o local grandioso e belo,
num dia de tonalidades neutras para muitos
as gotas percorrem a cabeça e as mãos.
o verde torna-se mais verde. começou a sinfonia da mãe.

e um sorriso... uma dança. ainda que sem espaço nem tempo, uma dança.
ocorre ali, sem que ninguém a veja.
continuam serenos e abrigados.niguém repara.
um sorriso, apenas um sorriso que tudo diz...

e a enorme vontade de partilhar cresce
luta desigual entre razão e sentimento
as palavras gritam para que sejam ditas. a razão diz que não!
o sentimento corrói

a vontade de te falar é enorme
imensa como imenso é o verde
imensa como imensa é a dança das palavras, dos olhares,
do que não se disse na esperança de um melhor momento para dizer
mas nada é dito. o silêncio é a lei.

perdido entre o imenso verde
a tua não dor, torna-se a minha dor...
[abril 2005]

olhares fechados

abrem-se portas...
mas fecham-se olhares.
sequências de efémeras infinidades
cada uma antes ou depois de cada outra
num ritmo infernal,
da vertiginosa rapidez da queda livre
à acamada decomposição física e humana.

abrir portas mas fechar olhares
um crime humano sobre outrém

na penumbra, enganador ponto de fuga
na claridade, recta para o deserto da troca de sentimentos

o medo reduz a vivência humana à insignificância.
[maio 2005]

a cidade dos dois nomes

muda voz da consciência grita
para me lembrar do que não quero esquecer
para me lembrar que o sangue corre ainda quente
por aquela calçada, aquela arquitectura, aquelas árvores.

tudo muda a noite.
o anestésico efeito do dia termina quando o sol se põe
e aquele caminho ganha o sentido com que nasceu,
fora de todo o trânsito, de todo o barulho citadino e pessoas...
apenas resta a pessoa, a noite e a madrugada.

deambular perdido
com vozes que me chamam a mudar de direcção
a passar por onde a alma mais sangue derramou
na negação do toque.
a resistência nem sempre é possível, mesmo na consciência do impedimento da paz.

na inconsciência do disparatado caminho,
de 3 amigos em discussão alimentada por álcool e risos,
a dor aparece
e faz tudo para que não seja esquecida. faço tudo para não a esquecer...

estou preso.
preso a uma cidade que têm dois nomes.
a várias ruas que desconheço o nome, mas reconheço o sentimento.
e neste agradável cinzento clarear do dia
continuo preso
continuo apaixonado por esta cidade.
[maio 2005]

gotas de vida - o carro

gotas de vida
pessoas e momentos fictícios. pseudo-realidades que habitam uma mente.
episódios imaginários transcritos para o mundo material.


o carro
a animada confusão de sempre. o delírio de quem vê o mundo com olhos de rir.
as constantes gragalhadas interrompidas pelo silêncio que nada de bom auncia. pois depois de uma estupidez, uma outra maior surgirá.
ela. no seu canto está tranquila e ri-se com eles. ele conduz. trapalhão como sempre. distraído com eles. eles riem no banco de trás. constantes macacadas em horário não muito habitual para eles. a noite só agora começa a aparecer. mas qualquer hora serve para os seus impulsos de loucura controlada. em qualquer lugar, qualquer pessoa corre o risco de ver algo exorbitante vindo deles.

são loucos dizem uns, são jovens dizem outos. insconscientes ou drogados dirão eventualmente muitos. ou então, talvez sejam apenas livres, e jovens, ou mesmo putos de 20 e alguns anos, quase 30. porque ser puto não quer dizer ser infantil, quer dizer que se acredita em qualquer idade em travessuras, em anedotas, em fazer rir de maneiras estúpidas, em acreditar... acreditar em algo que nos pareça altamente improvável porque não é impossível. é acreditar nos amigos, é jogar à bola no meio da rua com outros putos de todas as idades. constantemente desafiar os amigos em apostas estúpidas, jogar consolas até altas horas da madrugada, pregar partidas uns aos outros e rebolar a rir no final.

a confusão. dentro e fora. dentro por 3 vozes cada uma a falar de uma cena. fora por causa dos carros. resultado das brincadeiras: o carro mal parado e automobilistas de bigode farfalhudo com ar de chateados a fazer gestos de "anda com isso para a frente!!".
passa diz um, não passa diz o outro. caga nisso e deixa aí o carro, eles que passem por cima diz o terceiro. risada total dos quatro.
lá vão os senhores de bigodes farfalhudos todos irritados. fixam um olhar de mau e chatedos quando passam pelo carro e veêm os quatro a rirem-se. ainda a rirem-se...
a suspensão traseira eleva-se. eles saiem do carro vão ver a montra, espalhar pela vila a sua alegria. vão apanhar ar, enquanto ele e ela esperam. a espera é dolorosa, ainda se suspira e tenta-se voltar a respirar normalmente.
eles os dois, dirigem-se à loja para ir buscar o que necessitam.
no seu caminho até à loja da vila ele ainda se ri ao ve-los pelo espelho retrovisor. acalma-se. pelo contrário ela não está calma.
o silêncio instala-se. ela pergunta-se se o silêncio o incomodará. aparentemente não, ele está na boa. sempre com os olhos na vida do passeio da vila.
sim, talvez seja o momento de lhe dizer. mas, como irá ele reagir. ela conhece-o ao ponto de o não conhecer. de não saber se ela irá levar aquilo a bem ou a mal. mas a vontade ´e muita, é algo que está há demasiado tempo escondido, guardado em si.
sim, este é o momento de ele saber.
mas... ele nunca topou nada. talvez o melhor é não dizer nada. pode ficar chateado. ele sempre foi instável nas suas emoções, dele nada se pode ter como certo em termos de reacções.
inquietação e desassossego. porquê guardar as palavras aidna mais? será qe vale pena continuar com essa dor? ou essa dor será mais facilmente suportável do que a da reacção pós-anúncio?
ele vira-se de repente para ela. ela sustém a respiração. o tempo parece mais lento. será que ele topou? porque será que ele se virou? será que ele vai dizer algo? sobre isto? sobre o que ela sente? mas como saberá ele se ela nunca lhe disse?nem a ele nem a ninguém? como poderá ele saber? e porque estará ela a pensar em hipóeses que nem o devriam ser.
ele olha-a e diz: lá vêm aqueles dois. olha só para a moca deles e para a cara da velhota no passeio!! ehehe já deve estar pedir ajuda para eles aos seus santinhos.
as portas abrem e entram as risadas e eles. a mudança é engatada e o carro arranca. ele distraído como sempre nem repara que quase bate no caixote de lixo que se encontra à sua frente. lá vão eles. lá vão eles dar asas à sua imaginação.
e ela. calada. aqueles 2 minutos foram longos. e foram curtos. mas no fim de contas não foram nada. ela teve uma boa oportunidade. a oportunidade que queria e que nunca teve, e no verdadeiro momento apenas existiu o silêncio.
[janeiro 2006]

gotas de vida - a sala de espera

gotas de vida
pessoas e momentos fictícios. pseudo-realidades que habitam uma mente.
episódios imaginários transcritos para o mundo material.


a sala de espera

um aglomerado de corpos doentes. numa sociedade de mentalidades muito doentes.
cubículo atrofiado e atrofiante. não há revistas, poderá este cubículo ser considerado uma sala de espera quando nele não existem revistas?
doentes de todas as idades, com vários tipos de queixas. todos ali, uns sentados, outros em pé. mas todos em espera.
as conversas do costume. ambiente pesado. a troca de bocas sobre o exagero do preço, que os médicos só sabem roubar. que o primo da cunhada da prima de segundo grau foi a um outro médico que faz maravilhas. mas logo surge a contra-opinião de uma outra paciente que já o frequentou e pela altura do frio tem sempre problemas... "chulos é o que eles são todos" desta forma acaba o seu ataque pessoal.
dois jovens enfiados no meio de uma sala preenchida com meia idade. são os únicos que se riem da maneira como os de meia idade falam. riem-se da forma e conteúdo de tais afirmações.
até que uma senhora repara que a novela que está a dar na tv não é a do seu agrado.
e aqui sim, começa a festa na sala de espera. discussões entre qual a melhor novela, se a do canal pimba-pop português com o seu teen-power ou se o canal luso-brasileiro com as suas importações em massa. muda o canal, diz uma, não mudes que esta é melhor diz a outra... e instala-se a confusão. os dois jovens riem-se. aqueles risos que se manisfestam em pequenos sorrisos.
um em cada ponta da sala deparam-se com este ambiente. um parece mais contente, ou então o facto de estar a ouvir música pode apenas servir para relaxar sobre o que alguns momentos depois irá ouvir. o outro parece mais preocupado, com os seus exames nas mãos, enrolando constantemente os envelopes abertos...
mas o tema das novelas acaba...
uma das velhas gaiteiras diz orgulhosamente, a alto e bom som, que o que ela gosta é de dançar, e que se não se fica bem na próxima semana não vai poder dançar no baile da sua terra. uma outra sua conhecida confirma a sua vocação como dançarina compulsiva em tudo o que é baile e arraial.
só não danço o roca. isso de roca não é para mim, é para quem gosta de abanar a cabeça. danço tudo menos roca! diz com um brilho nos olhos.
agora os jovens só ligam aos computadores, passam lá horas enfiados e não convidam uma rapariga para dançar!! é a frase que leva a sala de espera a rir.
então e discotecas, pergunta uma comadre. discotecas?! ainda não fui mas não vou morrer sem ir lá dançar pelo menos uma vez. a velha gaiteira conquista o riso da sala de espera, até os jovens já esboçam algo mais que apenas um sorriso.
ah pois é, continua ela, e quando fazem o comboio eu vou logo atrás!
o riso ecoa na sala de espera.
mas logo é silenciado. silenciado pela abertura da porta do consultório médico.
próximo...
[fevereiro 2006]

gotas de vida - lullaby

"gotas de vida"
pessoas e momentos fictícios. pseudo-realidades que habitam uma mente.
episódios imaginários transcritos para o mundo material.


lullaby
mantém-se direita, como se morta estivesse. olha pelo seu telhado de vidro. olha o céu, as poucas estrelas.
fecha os olhos. encolhe-se. enrola-se nos seus lençóis em posição fetal. de olhos fechados ouve a chuva a cair. a bater no seu telhado de vidro.
uma paz traz um sorriso à sua cara. uma réstia de calor ao seu corpo. sabe bem. não tanto como um abraço. ou o braço do seu amigo. saudades. de um braço, daquele braço que protegia o seu corpo. abre os olhos. que saudades do seu braço a proteger o corpo do seu amigo. o calor de 2 estrelas que se tocavam.
olha novamente para cima. o céu está lindo nessa noite. algumas estrelas brilham timidamente escondidas pelas nuvens.
ela nunca tinha reparado nestas tímidas estrelas. talvez por mero acaso, ou talvez por o tímido brilhar ser ofuscado pelo brilho das estrelas que nada temem, aquelas que aparecem em primeiro plano.
mas timidamente lá estão, brilhado por entre as nuvens que a lua ilumina.
a chuva cai. de forma ritmada...
ela levanta-se abre a janela. sente o cheiro da terra húmida do jardim. sente o vento nas folhas. com os olhos fechados levanta a cabeça e em silêncio sente as gotas de chuva a escorrer pela cara.
uma solene procissão pela sua pele. primeiro o toque, e o arrepio da frieza da gota. depois o delizar pela cara, até ao pescoço e a lenta descida para o peito embrulhado apenas numa t.shirt. a gota continua fria e o contraste com os seus seios quentes trazem um sorriso mais aos lábios. repetidamente gotas e mais gotas buscam a sua cara. para uma dança. entre a natureza e ela. ela sorri... leva os dedos à cara e sente a cara molhada pela chuva. o cheiro na natureza, a chuva, o corpo, a noite, o céu...
abre os olhos. fecha a janela e dirige-se para a cama.
num ápice desfaz a cama, vira o colchão, arranca os lencóis, atira a almofada contra a parede. e pára, pára para escutar a música.
enrola-se nos lençóis e aninha-se no colchão. deixa-se ficar imóvel a olhar o seu telhado de vidro.
sorri. ouve a chuva, a melodia da paz.
fecha os olhos e ouve. ouve, até adormecer...
[fevereiro 2006]

chuva de verão

Uma gota de chuva, como uma lágrima. É conveniente admito, posso andar sem ninguém desconfiar se choro ou simplesmente gosto de andar à chuva de verão...
Tenho duas lágrimas. Uma de alegria e uma de dor. A mesma forma, diferentes conteúdos. Tenho duas lágrimas e uma gota de chuva. É conveniente especialmente para ti/mim.
Tu olhas-me e vês as três gotas, desconfias (ou não), mas acho que não vais saber ao certo...
Porque sou mentiroso.
A chuva escorrega pela cara e lentamente penetra na pele, sinto o cheiro. O cheiro da pele usada, arranhada com as unhas dos dedos e rasgada com as garras da alma...
Sinto-me num banquete de cheiros e logo sensações, sentimentos e memórias.
Cheira-me a terra molhada dos jardins, sinto claramente o aroma das flores que recentemete mataram a sua sede, sinto o teu cheiro, em mim, misturado com o aroma do gel de banho, com a chuva e com as lágrimas.
A chuva escorrega pela cara e lentamente penetra na pele desaparecendo... na forma.
As lágrimas não. Essas ficam na cara, não mudam de forma (nem de conteúdo) deixem do canto do olho para perto do nariz.
Olhas-me e sorris, comentas as minhas lágrimas de alegria (mas apenas uma o é) enganada pelo meu sorriso mentiroso. Continuo a sorrir e comento a tua alegria.
O meu sorriso mentiroso não desaparece, e no momento em que desaparece surge sempre um olhar matreiro de menino rabujento e brincalhão.
O meu sorriso é mentiroso, é sincero, mas é mentiroso. É sincero porque ele é a consequência directa da tua alegria. O facto de te ver sorrir e saber que estás bem, faz-me bem, faz-me sorrir. Sinto-me alegre, mas uma pequena parte dessa tua alegria significa uma dor em mim, uma dor secreta. E é aí que o meu sorriso é mentiroso, ele monopoliza o espaço facial de demonstração sentimental. Monopoliza e manipula. Porque uma das lágrimas é de dor, mas tu não a vês assim porque o sorriso não deixa...
E os dias passam.
No fim de mais um dia intenso e diversificado, escrevo estas linhas, enquanto bebo groselha gelada e ouço repetidamente a banda sonora do dia. Uma após a outra, ouço vezes sem conta as mesmas duas músicas. Após a descarga intensa de metal poderoso e cortante, entra o solo da Floods dos Pantera. Um grande solo, uma grande banda, um grande guitarrista, assassinado em palco. A intensidade deste solo é algo acima do humano. O toque humano, naquelas cordas... a mistura com o som de chuva em plano de fundo, tornam impossível eu não sentir nada cada vez que a ouço. Mas hoje sinto ainda mais. Depois, num registo acústico, a voz agri-doce que canta Walk away. O ambiente preenche-se com a guitarra de Ben Harper, e a letra faz o resto. Já não é a primeira vez que esta música se encaixa em passagens do livro que escrevo na alma com uma navalha.
Pela janela entram os clarões dos relâmpagos que rasgam o céu da noite de hoje. Apenas vejo o refexo dos clarões na minha parede, não ouço os trovões, nem sei se chove. Ouço a chuva, mas a que aparece na Floods, os phones não deixam entrar mais nada em mim.
A trovoada continua. Quando estive na praia à tarde contei o meu segredo ao mar. Contei que uma estrela está a morrer. Disse-lhe das lágrimas e do sorriso. Não sei o que o mar disse ao céu, mas pelo que vejo, o céu rasga-se e grita o que pode ser a dor de uma estrela que morre.
Se acho que estou a fazer o correcto porque me sinto o responsável pela trovoada?
Uma vez uma menina-estrela, que trato sempre como se fosse pequenina mas que é enorme, disse-me que temos que saber afastarmo-nos. E eu respondi que esse é um dos meus problemas. Ela disse que era altura de eu aprender a lição.
Tentei explicar ao céu que é isso que estou a tentar fazer, mas o céu não me ouve, os trovões gritam mais alto. E a trovoada vira-me as costas....
Em vão tento dizer que a alegria dela é mais importante que a minha tristeza.
Este é o meu segredo.Ninguém me ouve... pois falo com o silêncio e disfarço com as palavras. Só quem sabe sabe ler o silêncio dos actos e os gestos do silêncio percebe o que se passa comigo.
A menina-estrela e o mar ouviram, porque lhes contei. O mar não disse nada, e tenho medo que ele conte a alguém, porque a maré ao mudar pode trazer o segrego que levou. A menina-estrela não fez as perguntas de sempre, aquelas para que às vezes não há respostas. Apenas falou e ficou em silêncio. Do alto do seu voo ela sabe que isso faz bem a ambos.


Lembro-me da frase do Hartigan em Sin City, “An old man dies. A young girl lives. A fair trade.” Uma estrela morre (em parte?), para que outra seja feliz. Parece-me o correcto a fazer... (mas porque continuo a sentir que algo está mal?)
Vou esconder a dor, e vou sorrir... não sei se é o correcto a fazer, mas vou fazê-lo porque sim, e porque me apetece...
Um sorriso que vem do fundo, o sorriso inevitável que temos quando vemos que as pessoas próximas de nós estão bem...
[junho 2006]

asas em chamas

o ar que inspiro é feito de navalhas afiadas
que me cortam as vias respiratórias.
sinto o cheiro dos lençóis que imagino
e apenas sinto os vidros no chão
a cortar-me os pés.

ouço o silêncio triste da chuva a bater nos vidros
a sequência fora de tempo das gotas,
enquanto arranco, pena a pena,
as asas que num passado recente em mim cresceram.

pego no isqueiro.
incendeio uma e vejo-a arder enquanto a seguro.
deixo o fogo consumir a pena,
não tenho medo da proximidade dos dedos.
desejo que o fogo transforme em cinza parte de mim.

junto todas as penas
num monte imperfeito, como eu.
deito-me sobre elas
e bato-lhes
como se de uma almofada se tratasse.

deitado sobre os restos das minhas asas
tento fechar os olhos.
deitado sobre mim
sinto o vidro nos pés
e a garganta cortada
com golpes milimétricos.

levanto-me.
sinto os vidros a penetrar na carne.
uma dor que percorre o corpo
faz com que os joelhos tremam.
agarro-me às vértebras
enquanto estas parecem comprimir e querer rebentar.

olho a minha almofada.
a almofada de mim.
desejo vê-la arder.
pegar-lhe fogo.
arrancar os vidros dos pés
e atirar-me para o centro do fogo.
num só momento queimar as asas
e tentar cauterizar as feridas.
mas... e as feridas da alma?...
[julho 2006]