25 abril 2007

sorriso em branco 2 (o estúpido)

um dia intenso.
caminho agora, calmamente, pelas ruas que adormecem aos poucos.
caminho com certeza que o meu próximo passo será o descanso. ainda tenho o sabor do vinho nos lábios e o seu calor em mim. um sabor forte, cheio, rico...
ao contrário de mim... hoje sou vazio. hoje sou cheio. estou cansado. o dia foi duro. inúmeras mini-viagens entre as pequenas casas de sabedoria infantil.
corridas contra o tempo (e para quê?). ansiedades.
ansiedades que terminam na noite.
sentado de olhos fechados, a ouvir uma voz como o vinho: forte, cheia e rica. uma voz como o vinho e que o vinho tão bem acompanha. a voz da menina encanta. e arrepia. faz sentir a vida dentro de nós. aquela que às vezes até nós esquecemos que existe.
mas faltou algo. faltou um pouco mais da sua voz. faltou a voz nua e crua, sem a metálica ressonância portuguesa, ou o corpo cheio de som forte e grave acompanhado pelas crescentes intermitentes batidas.
da música recomfortante saio para o frio da noite. o silêncio da noite e o seu frio fazem-me bem. acompanham bem a minha condição de solitário.
mas não me protege de ser estúpido. e pior ainda, de ser estúpido para quem não o merece.
sofrer e fazer sofrer, linha básica da minha (nossa) natureza.
agora caminho com remorsos. mas não sou capaz de dizer nada, tal como na altura não fui.
caminho ainda com a música a ecoar nos ouvidos e o vinho a temperar os lábios.
caminho só, em direcção a casa. só e calado.
talvez amanhã acorde a saber sorrir e a pedir desculpa...

[dezembro 2006]

sorriso em branco 1

saí...
fui tocar na noite, (tentar) relembrar como se sorri sob a luza da lua.
hoje parti a concha depressiva que construí nas últimas semanas. hoje saí para a rua. tentar encontrar aquele tom especial que a noite tem, tentar encontrar algo que já foi meu.
saí na noite errada. pelo menos para o que queria encontrar. a noite estava demasiado carregada de sorrisos falsos e automatismos alcoólicos que sóbrio não consigo enfrentar.
valeu a conversa que acompanhou o café e o chá, as caras conhecidas que se cuzaram no meu caminho; valeu por olhares que iluminam mais que o luar.
mas na cabeça, apenas uma troca de palavras, serena e triste... bonita portanto.
numa noite errada para sair vou colar os pedaços da concha e nela dormir. hoje não vou pensar mais, fazer mais...
amanhã é um novo dia. ao levantar verei se quero ou não voltar a partir a concha e tentar enfrentar os outros.
amanhã é um novo dia e nada é impossível. sorrir não é impossível... apenas altamente improvável.

[março 2007]

inútil

Ouço as outras vozes enquanto me questiono se te devo olhar.

Sinto-me observado e olho-te. Por um momento os olhares cruzam-se mas rapidamente se desviam devido a uma timidez que em nós existe.

Há algo em ti que me encanta. Uma aura de tranquilidade que te envolve. Não consigo evitar ser contagiado pela tranquilidade que me transmites quando falamos.

Mas por vezes, sinto e sei que não é uma tranquilidade calma. É sim triste, triste com apenas uma pequena réstia de esperança, já quase desacreditada, que tento fazer sorrir, para que vejas que ela ainda existe.

Mas sinto-me tão inútil. Inútil porque raramente consigo fazer-te sorrir, inútil por não saber dizer as palavras certas no tempo certo.

Sinto-me inútil porque me quero aproximar e não consigo ultrapassar uma barreira. Não te consigo chegar. Apenas tocar com um sorriso... mesmo que ele seja tão inútil como eu.

Sinto-me inútil quando me cruzo contigo na rua e apenas troco palavras tímidas. Quando quero conversar e não consigo. Quando quero chegar a ti, mas essa tua traquilidade impede-me de tentar forçar, por me parecer que estou a violar um espaço que é demasiado teu, que não queres que eu veja ou entre...

E então olho-te... mas penso que nem o meu silêncio fala nessas alturas.

Apenas te olho. Apenas te olho na tua bonita tranquilidade triste.

Apenas te olho e despeço-me de ti com um sorriso tímido, e muitas palavras por dizer com um chá a acompanhar.

(para a m.)

[abril 2007]