29 agosto 2006

tu. alguém...

estou aqui. só. dentro da tenda.
o que vem de fora embala-me. o som da chuva. o som da guitarra da tenda ao lado.
o rapaz pediu-me um cigarro, não lhe dei pois as minhas dependências são o álcool e a música. e se com o álcool consigo alcançar com sucesso algumas (poucas)
abstinências, já com a música é uma causa perdida. estou completamente afogado na depedência e luxúria das vibrações sentimentais.
sinto-me culpado. escuto a sua música. pior que isso sinto-a e ela faz-me sentir bem.

a tenda é enorme. é enorme neste cocktail (quase) perfeito: música e natureza.
mas falta algo, a cereja. faltas tu. alguém...

alguém para partilhar os decibeis dos palcos e o arrepio da chuva de uma forma mais próxima do que com a restante massa amante de música.
alguém para voltar à tenda e abraçar, beijar. alguém que me seque o corpo enquanto eu tiro a tua roupa encharcada. alguém para na secura da tenda sentir e tocar e dançar ao ritmo da chuva. alguém para depois de secos e quentes e íntimos, sair da tenda e gritarmos à chuva. dançar e gritar à chuva agradecendo a dávida da natureza e da música. dançar para nos festejarmos.

faltas tu. alguém. aqui...
alguém para abraçar e adormecer.
a tenda é enorme. e enorme será... pois não estás aqui.
tu. alguém...

[agosto 2006]

04 agosto 2006

gasto a terra sobre mim

quero voltar.
voltar ao casulo. Contrariar todas as regras da natureza e voltar a dormir protegido pelo calor do casulo de que outrora me libertei.
as asas fazem voar alto, mas apenas para cair ainda mais a pique.
sei quem sou.
sou um errante constante. sei que quando me decido a voar atrás de uma estrela o resultado é quase sempre o mesmo: a queda.
por isso, agora apenas ando.
ando. passo após passo, sem bater as asas ou levantar os pés do chão.
apenas ando... gasto a terra sob mim.

apenas ando. (até ao momento que te vejo...)

[julho 2006]

sinto a areia

Sinto a areia. Por baixo de mim, sinto-a nas mãos, nas pernas e na cabeça.
Sinto-a. Por cima de mim. Ela empurra-me contra areia.
A areia, intromete-se na troca de carícias.
Ali estamos, a praia é nossa por breves instantes, apenas nossa.
Toda aquela areia parece fazer parte de nós durante aqueles momentos. O mar canta para nós, para nos embalar. O ritmo das ondas acompanha o ritmo da dança dos dois corpos, um contra o outro, um para o outro…
Toco na areia enquanto me tocas… sinto-a, como te sinto a ti… sabe bem. Pequenos grãos de areia a escorregar pela mão enquanto deslizas por mim, sobre mim…
Ao longe o céu começa a clarear, a praia continua deserta, especialmente para nós.
Beijos impuros, carregados do teu sabor a tabaco e do meu sabor a álcool… impuros como nós…
Agarro-te… olho-te e começo a dançar sobre ti, viajo em ti… sinto-te e faço-me sentir…
O mar canta, marca o ritmo e nós dançamos, um com o outro, um no outro…
Na pressão interior e na contracção dos corpos suados e cansados solta-se o grito mudo de um abraço e um beijo…
Já é dia. A praia já não está deserta. Alguns dos seus habituais já se cruzam connosco na nossa caminhada para um regresso há muito celebrado e repetido.
Já é dia. A praia já não é nossa.


[agosto 2006]